sábado, 5 de dezembro de 2015

MANIFEH - MINHA IRMÃ...

Manifeh, minha irmã!


Uma mana existia "nas arábias" ... talvez, diziam em cochichos- daqueles de antigamente, aos pés-do-ouvido...
Que malandro "esse velho" ( referiam-se ao meu pai no caso...!) ...
Saiu de sua terra, na Syria, guri ainda - nem 18 anos... atrás de primos na America do Sul, 
deixou mãe, pai, irmãs, irmãos, amigos, história!
E teria tido uma filha... ninguem confirmava nem desmentia... os boatos...

Ao longo do tempo por aproximações da vida, tivera mais duas filhas no Brasil... ; depois mais um filho; depois , de um último casamento , mais dois- um casal - do qual eu seria então a filha querida!

Querida sim - embora todos os poderes avaliativos frios, concluissem que ele era mesmo um pai desnaturado que a nenhum dos filhos destinou muito de seu tempo...e pouco de seus recursos.
A se guiar por essas conjecturas - não sobrariam pedra sobre de uma apaixonante e impar história de um homem - com alma de artista- tocava flauta arabe como poucos... encantava com seus lamentos e lirismo e com certeza com muita saudade dos seus - parentes e ambientes... de onde se afastou por completo mais de 40 anos ...
Quer dizer - se afastou não - manteve correspondencias que ninguem podia entender pois ninguem a não ser ele m nossa casa era alfabetizado em arabe. Mais tarde- realizou o sonho de criar outra familia no Brasil mandando um de  seus filhos a Dreikiche sua terra, para que a ele fossem ensinados  o idioma, as tradições, a cultura do pai, conforme  os hábitos da familia que lá deixara.

Manifeh- foi então conhecer o irmão brasileiro.E o irmão brasileiro- conheceu Manifeh.

Ela era simples mulher do campo, criadora de ovelhas numas terras na fronteira da Syria com o Libano, onde fez familia... e viveu até o último de seus dias... aos 87 anos segundo relato recente desse mano brasileiro que esteve lá entre eles  por quase 5 anos  em sua adolescencia... e depois quando moço , tendo sido incluido na força de Paz da ONU - na faixa de Gaza... pelo exército brasileiro...

Ela conviveu com o pai ainda, na sua maturidade - ou melhor: na maturidade de ambos!
Pois apesar dele ter estado por 40 anos ausente,... trabalhara muito e juntara recursos para ir a Meca como mandava seu vínculo muçulmano que mantinha religiosa e fervorosamente... 
Foi ao encontro de todos... os que lhe haviam sobrevivido...: pai e mãe , já não mais ... duas queridas irmãs, sobrinhos, netas da filha Manifeh!

Alegraram-se em festas de familia, publicaram-se mutuamente todas as queixas, provavelmente... choraram as dores, rezaram juntos , até se cansarem uns dos mal jeitos dos outros...

Muitos anos mais velha que eu- quase 30, nos comunicamos com a intermediação desse mano que lá esteve - o único de nós ... (mais tarde levou sua filha mais nova com ele até lá...).
Na década de 70 as fitas cassete eram mensageiras de falas e cancoes de  um lado ao outro do planeta... coisa facilitada pelo excelente dominio do idioma arabe  e tambem dos trâmites  de envios e reecebimentos desse tipo...

Foi então que pedi que ele traduzisse em uma gravação ( em seu escritorio no Yazigi - escola de linguas que ele  implantou em Novo Hamburgo como porfessor tambem do idioma ingles...)que dissesse que me emocionara muito ouvi-la pronunciar meu nome em arabe e mandar seu carinho; que sim eu gostaria muito de um da poder ir até lá e conhece-la e abraça-la ...Mas que tambem vivia eu, em um país lindo - que nada devia a Syria- e que ela poderia ficar encantada se aqui viesse passear... um dia!!
Vi uma foto de um mural para onde tinha ido uma foto minha... em sua casa; tambem vi fotos de seu sitio anos mais tarde trazido pela minha sobrinha que esteve com ela - nesse lugar - de fundos para o mediterraneo- de extrema simplicidade em que segundo contaram na volta de sua viagem, pai e filha- vivia a Manifeh com seu velho marido seus filhos, netos... a vida toda...

A herança do timbre de voz de meu pai - era flagrante- : caracteristicamente quente, levemente sussurrada e rouca, forte, clara, agradável...e cheia de emoção dramática... fato esse de imediata identidade dos "Abrão" como diria a voz do povo... todos artistas, atores , dramáticos...por natureza , por parte de pai!

Mais tarde no final da década de 70 e nos anos 80, viria a conviver com a irmã de casamento anteriro de meu pai, que era dupla com mais uma , no caso... e cuja incidencia de voz era impressionante com todos os tons quentes já descritos ali...Nem precisaria de testes de DNA...! 

Belamente ou não, escrevo essas linhas hoje, em 2015, dezembro, por que meu coração pedia um registro de um sentimento por uma mana que já está nos jardins de Alah - com suas delicias merecidas...tendo  cumprido com certeza toda sua trajetoria de vida mesmo sem sair jamais no encalço de seu pai... tendo levado adiante sua história sabe-se lá com que dificuldades e frustrações, sabe-se lá com que pequenas glórias e conquistas...

Havia muito não tinha noticias dessa parte da familia com a qual apenas meu mano mais velho- Gilberto tem meios de proceder... hoje em dia via skype.... em tempo real...

Acompanhando nos noticiarios todas as atrocidades que vitimam milhares de pessoas inocentes naquela região- naufrágios - caminhadas de errantes e desesperançados de usufruir seu leito de nascimento por mais tempo...

Nossa alma se comprime e só erguemos fracas preces a Deus que isso passe ... que termine o martírio dessa gente... bem nossa por descendencia... embora tão distantes em tudo de nosso dia a dia... no sul do Brasil...

Por um email, fiquei sabendo que  há cerca de um mes - Manifeh faleceu....minha irmã mais velha, de uma problema de saude após hospitalização ... e que os demais estão a salvo ... morando distantes dos conflitos atuais... onde tambem deverão segundo meu mano - morrererem de velhos!

Só dizer que Deus a tenha... parece tão pouco... quase nada!

Maktub- palavra forte ...
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Que assim seja feita a vontade de Deus... afinal !